O Uso de Aparelho Celular e o Regime de Sobreaviso

No presente artigo, analisaremos o posicionamento tomado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região - RJ e o Tribunal Superior do Trabalho, em relação ao uso de aparelho celular fornecido pela empresa e o regime de sobreaviso. Adiantamos que, não há um posicionamento pacífico sobre o assunto, apesar do verbete sumular nº 428 do TST.

Começaremos o presente artigo com uma indagação: é cabível a caracterização do regime de sobreaviso ao empregado que recebe um telefone celular da empresa, para uso exclusivo desta?
A priori, a melhor resposta será DEPENDE. Com objetivo de esclarecer a questão, mister se faz definir o que vem a ser o adicional de sobreaviso.
Previsto no art. 244, §2º da CLT, trata-se de um acréscimo salarial destinado inicialmente aos ferroviários – frisa-se, que a Consolidação das Leis do Trabalho data de 1943, que poderiam ser acionados por seu empregador durante seu intervalo interjornadas (entre as jornadas), em decorrência de um atendimento de emergência, como o caso de acidente na via.
Dessa forma, não poderiam estes empregados se afastarem de seus lares, os quais, via de regra, eram às margens da ferrovia, ficando, assim, ao alcance de seu empregador.
Por óbvio, isto gera uma lesão a liberdade de locomoção do ferroviário, que não poderia gozar de seu descanso plenamente, motivo pelo qual urge por uma compensação, no caso, o adicional de sobreaviso.
Como já dito, a CLT foi sancionada em 1943, época em que as estradas de ferro eram amplamente utilizadas no país, e os meios de comunicações eram limitados. A título de ilustração, de acordo com disposto na Wikipédia1, a primeira rede de telefonia celular brasileira foi criada no Rio de Janeiro, através da TELERJ, no ano de 1990, o que afasta qualquer hipótese de sua previsão no Codex.
Com a evolução da sociedade, outros ramos de atividade vieram a reclamar, também, atendimentos de emergência, para os quais se faz necessário que os trabalhadores permaneçam em estado de vigília. Os meios de comunicação existentes nos dias atuais, por sua vez, permitem que o empregado seja convocado em qualquer local que se encontre.” 2
Ante a esta mitigação no cerceamento da liberdade do trabalhador, posto que não mais precisava se encontrar em sua residência para ser localizado pelo empregador, o Tribunal Superior do Trabalho, por intermédio do verbete sumular de nº 428 – antiga OJ 49 do SDI-1, determinou que o mero uso de aparelho de intercomunicação, incluso aqui o telefone celular, não configura o regime de sobreaviso:
SOBREAVISO (conversão da Orientação Jurisprudencial n.º 49 da SBDI-1) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
O uso de aparelho de intercomunicação, a exemplo de BIP, “pager” ou aparelho celular, pelo empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso, uma vez que o empregado não permanece em sua residência aguardando, a qualquer momento, convocação para o serviço.” (Súmula n° 428 do TST)
Ocorre que, este mesmo Tribunal, no Recurso de Revista nº TST-RR-38100-61.2009.5.04.0005, entendeu que não contraria a súmula retro, a configuração do regime de sobreaviso para o empregado que é obrigado a manter seu telefone móvel ligado durante todo o período de descanso interjornada, bem como era habitualmente convocado para o trabalho neste período.
HORAS DE SOBREAVISO. REGIME CONFIGURADO. OBRIGATORIEDADE DE O EMPREGADO MANTER O CELULAR LIGADO DURANTE O PERÍODO DE DESCANSO ENTRE JORNADAS. Não contraria a Súmula n.º 428 desta Corte superior decisão em que se reconhece o direito do autor à percepção das horas de sobreaviso em hipótese em que confessado pelo preposto da reclamada a obrigatoriedade de o empregado manter o celular ligado durante o seu período de descanso entre jornadas, e em que havia efetiva convocação habitual do obreiro para o trabalho. Recurso de revista de que não se conhece.” (Recurso de Revista nº TST-RR-38100-61.2009.5.04.0005 -
A ausência de entendimento pacífico e cristalizado sobre o tema se mostra evidente. De fato, em uma interpretação sistemática da súmula e do julgado, vemos que não há contradição entre eles, vez que o verbete sumular fala em “por si só”, ou seja, o uso de aparelho celular pelo empregado poderá caracterizar o regime de sobreaviso, desde que seu embasamento não seja somente o seu uso.
Por outro lado, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região – Rio de Janeiro, entendeu através de acordão proferido em Recurso Ordinário, que o estado de vigília imposto pela empresa, onde o empregado se vê obrigado a monitorar a bateria de seu aparelho, a qualidade do sinal, a distância entre o local em que pretende ir e o seu local de trabalho, infringe não só a liberdade de locomoção, como o direito ao descanso, urgindo por uma contraprestação:
“SOBREAVISO. ESTADO DE VIGÍLIA. Embora o uso de aparelho celular, rádio e similares não restrinja totalmente a liberdade de locomoção do empregado, há que se reconhecer a relativa limitação sofrida nos seus horários destinados ao descanso, já que a possibilidade de ser chamado à empresa a qualquer tempo faz com que o trabalhador tenha que se preocupar com sinal, baterias e, também, a distância que se encontra do local de trabalho. Este estado de vigília resulta na ampliação do poder de comando do empregador em detrimento da liberdade no gozo do tempo livre pelo empregado, devendo corresponder a uma contraprestação.” (RO-0104600-25.2005.5.01.0461, DOERJ 05/8/2010, 10a Turma, Rel. Marcos Cavalcante. - TRT1)
Controvérsias a parte, correto é afirmar que, a obrigatoriedade imposta ao obreiro de portar e utilizar algum aparelho para comunicação imediata com seu empregador em seu período de descanso, sem o auferimento de uma contraprestação por isto, acarretará um enriquecimento ilícito do empregador.
Por oportuno, menciona-se a velha máxima do direito do trabalho: "trabalho feito, é salário garantido". Dessa forma, ainda que no caso concreto, o empregado não receba o adicional de sobreaviso, deverá o tempo dispendido com a empresa através do aparelho ser contabilizado como hora de labor e, portanto, acaso ultrapasse o contratualmente estipulado, será remunerado como labor extraordinário.

Rio de Janeiro, 02 de setembro de 2012.
Eduardo F. Filippo
1http://pt.wikipedia.org/wiki/Celular
2Acordão proferido no RO-0104600-25.2005.5.01.0461 – TRT1.

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