Comentários ao Caso: Celular com Vício Reiterado

O que fazer quando, por exemplo, o telefone celular recém comprado começa a apresentar reiteradamente “defeitoe a autorizada apenas se limita a tentar consertá-lo? No presente artigo, abordaremos mediante um exemplo prático, a responsabilidade do fornecedor pelo vício do produto, com fito de melhor compreendê-la. Para isto, utilizaremos como base o acórdão proferido no processo n° 0011310-48.2011.8.19.0087, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

ACÓRDÃO

Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenizatória por danos materiais e morais. Consumidor. Aparelho celular que apresentou defeito menos de um mês após a aquisição. Recusa de troca imediata do aparelho. Diversas remessas à assistência técnica, sem solução do problema. Sentença de procedência parcial, na qual o Magistrado considerou não configurado o dano moral. Na época hodierna em que o telefone celular já se integrou na vida das pessoas, o fato de alguém ficar privado de seu uso gera inconvenientes que configuram bem mais do que simples aborrecimentos, caracterizando dano moral indenizável. Fixação da indenização no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), que se afigura razoável e adequada, de forma a respeitar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade que norteiam o dano moral, adotando ainda caráter pedagógico e punitivo e coadunando-se aos parâmetros usualmente utilizados por este Tribunal em hipóteses análogas.Matéria pacífica, comportando aplicação do art. 557, "caput" e § 1º-A do CPC.Provimento liminar parcial do Apelo pelo Relator. (Apelação n°  0011310-48.2011.8.19.0087 - Relator: DES. MARIO ROBERT MANNHEIMER - Julgamento: 19/07/2012 - DÉCIMA SEXTA CÂMARA CIVEL - TJRJ)

RESUMO DOS FATOS

O caso em questão é simples e infelizmente corriqueiro: o senhor A.S.R. comprou um telefone celular da marca Nokia - modelo 3120, através de uma loja mega atacadista de renome. Porém, antes mesmo de completar um mês de uso, o aparelho começou a apresentar problemas em seu funcionamento, e diante da negativa da loja em trocá-lo por outro, foi remetido para a assistência técnica.
Quando o consumidor recebeu o telefone celular, para seu espanto, o vício não havia sido sanado! Assim, o autor tornou a enviá-lo a assistência para reparos - fato este repetido por mais algumas vezes, todavia sempre em vão.
Ciente de que o problema se encontrava naquele telefone celular e que, por este motivo, não importaria quantas vezes o mesmo fosse consertado, solicitou novamente a troca do aparelho - agora junto a autorizada, por outro de igual modelo, o que não foi atendido.
Salienta-se que, o autor havia contratado um plano de telefonia móvel pós-pago, porém ante a impossibilidade de utilização do celular, continuava a pagar por um serviço a que não podia usufruir. E mais, o consumidor labora como pedreiro, sendo sua linha de celular o único meio de contato com seus clientes.
Dessa forma, indignado com o descaso ocorrido até então, decidiu o senhor A.S.R. por ajuizar a ação indenizatória em face da loja comerciante e da fabricante de celular, pleiteando a troca do aparelhou - ou, alternativamente, seu conserto definitivo, bem como a reparação pelos danos materiais e morais sofridos, por causa deste transtorno.
Em primeira instância, o magistrado entendeu pela configuração do dano material - referente a conta telefônica pós-paga, mas não do dano moral. Irresignado, o consumidor recorreu desta decisão, através de Recurso de Apelação, sendo julgada pela Décima Sexta Câmara Cível do TJRJ, a qual entendeu pela procedente o pedido de dano moral, orçado em R$ 3.000,00 (três mil reais).

BREVE CONSIDERAÇÃO

Inicialmente, cabe ressaltar que apesar de não ser incomum verificarmos a utilização do termo “defeitopara os casos em que um produto ou serviço apresenta uma desconformidade, seja qualitativa ou quantitativa, que lhe diminui o valor ou torna impróprio ou inadequado ao consumo, está não é a designação mais correta.
Isto porque, analisando o artigo 12, caput e parágrafo 1º, do Código de Defesa do Consumidor, verificamos que o produto defeituoso é aquele que ocasiona um acidente de consumo, e por isto, apresenta um defeito de segurança, ao passo que o produto que apenas apresenta um mau funcionamento é considerado portador de vício de adequação – art. 18 desta Lei.

DA RELAÇÃO DE CONSUMO

Dito isto, passaremos a analisar o mérito da causa. O Autor comprou junto ao segundo Réu o aparelho celular, fabricado pelo primeiro Réu, como destinatário final, logo, dúvidas não restam acerca da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, ante a configuração das figuras consumidor e fornecedor, nos termos dos arts. 2º e 3º.

DA RESPONSABILIDADE POR VÍCIO DO PRODUTO

O caput do artigo 18 da Lei Consumerista, aduz que o fornecedor de produtos responderá solidariamente pelos vícios de qualidade, a saber, as característicasque os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza”.
Nesta esteira de raciocínio, podemos extrair três pontos de suma importância; a uma tem-se que, em existindo um vício no produto, deverá o fornecedor repará-lo e, não sendo possível, substitui-lo por um novo. Não se cogita aqui se o vício decorre de uma conduta culposa ou dolosa, pois a responsabilidade surge da mera existência da desconformidade.
A duas, verifica-se a responsabilidade solidária dos fornecedores - o que no direito se traduz como a possibilidade de escolha do consumidor em requerer a reparação total pelo vício no aparelho celular - ou seja, os danos materiais e morais sofridos, de todos os integrantes da cadeia de produção e comercialização do produto, ou apenas de um deles, a seu bel-prazer.
A três, temos a definição do que vem a ser vício de adequação, conforme transcrição acima. Ora, se desde o primeiro mês de uso o aparelho já apresentava mau funcionamento, o qual não fora sanado até o ajuizamento da ação - ou seja, após um ano de sua aquisição, resta mais que patente a sua impropriedade para o consumo, nos termos do artigo 18, §6°, inciso III do CDC.

DO PRAZO DE 30 DIAS PARA SANAR O VÍCIO

Ainda no artigo 18, porém no parágrafo 1º c/c parágrafo 3°, vemos que é dado ao fornecedor o direito de consertar o produto com vício, desde que este reparo não diminua o valor ou comprometa a qualidade do produto, ou ainda, não se trate de produto essencial.
É importante mencionar que, já há nos tribunais pátrios o entendimento de que um aparelho celular, sob a ótica de nossa sociedade ocidental, deve ser compreendido como um produto essencial1, o que excluiria da hipótese do parágrafo 1º - o prazo para que o fornecedor possa consertar o produto viciado.
Porém não foi assim que a autorizada procedeu, pois ao invés de substituir o aparelho de imediato por outro, tentou sanar o vício, em vão. Dessa forma, pelos prejuízos e transtornos causados pela parte Ré, surge o direito a reparação.

DO DIREITO A REPARAÇÃO PELOS DANOS SOFRIDOS

Ora, constatado o vício do produto considerado essencial, deveria a assistência técnica ter efetuado a troca do aparelho celular de imediato. Ao invés disto, tentou consertá-lo, entretanto nunca logrando êxito para tanto.
Neste interregno, o consumidor continuou obrigado a quitar seu plano de telefonia móvel pós-pago, mesmo sem poder utilizá-lo. Para agravar a situação, a linha telefônica em questão era o meio de contato do Autor com seus clientes.
Dessa forma, surge o direito a reparação pelos danos causados ao consumidor. Preceitua o artigo 6°, inciso VI do Código de Defesa do Consumidor que é um direito básico do consumidor: “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
Vislumbra-se que, a parte lesada sofreu danos materiais - ou patrimoniais, pois pagou por um serviço a que não pode gozar e danos morais, pois todo este imbróglio causou transtornos ao consumidor, que com absoluta certeza, ultrapassaram a fronteira do mero aborrecimento.
Por fim, é de se mencionar que acaso viesse a comprovar a perda de um cliente determinado, por exemplo, face ao celular inoperante, poderia inclusive requerer como dano material o lucro cessante sofrido.


DO PRAZO PARA RECLAMAR DO VÍCIO DO PRODUTO


Apesar de não suscitado no processo, cabe consignar que de acordo com o artigo 26 c/c 50, ambos do Código de Defesa do Consumidor, a garantia legal é complementar a garantia contratual (ou convencional). Isto importa dizer que, o consumidor poderá exercer seu direito de ação até 90 dias após o fim da garantia contratual.
Nesse diapasão, levando em consideração que a garantia contratual - aquela dada pelo fabricante ou comerciante, no que tange a um telefone celular tem validade por 12 meses, mesmo se tratando de um vício de adequação por qualidade que se apresentou no primeiro mês de uso, por as garantias serem complementares e não simultâneas, a legal apenas começa a correr após o término da contratual, não havendo que se falar em decadência.
E mais, o artigo 26, parágrafo 2°, inciso I, deste Diploma Legal, dispõe que obsta a decadência a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor. Ora, no caso apresentado, o autor passou o primeiro ano após a compra do aparelho celular, remetendo-o para a assistência técnica.
Assim sendo, verificamos que mesmo afastado a garantia contratual de 12 meses - praxe do mercado, ainda sim o consumidor não teria decaído de seu direito, vez que em cada oportunidade em que levou o telefone para a assistência técnica, o prazo decadencial fora obstado, somente podendo voltar a fluir após sua devolução ou negativa pelo fornecedor².

CONCLUSÃO

Ante ao todo exposto, vimos que em uma relação de consumo - portanto, uma relação jurídica regida pelo Código de Defesa do Consumidor, todos os fornecedores que participaram da cadeia produtiva e de comercialização do produto respondem solidariamente pelos vícios contidos neste.
E mais, esta responsabilidade se dá pela simples existência do vício no produto, não se questionando se houve uma conduta culposa ou dolosa por parte de algum fornecedor.
Analisamos também, que em nossa sociedade - e demais sociedades ocidentais baseadas no consumo, o serviço de telefonia celular ganhou enormes proporções, a ponto de ser considerado um serviço essencial e, por conseguinte, o aparelho celular também recebeu esta denominação, tornando-se um produto essencial1.
Isto quer dizer que, elegemos tamanha importância para este serviço, que sua privação traduzir-se-ia em um isolamento do consumidor, acarretando-lhe enormes prejuízos, o que torna necessário proteger o consumidor deste tipo de situação.
Logo, inobstante a regra do artigo 18, §1° do Código de Defesa do Consumidor, dar um prazo para que o fornecedor tente sanar o vício antes do consumidor poder requerer um novo produto, a devolução dos valores pagos ou o abatimento do preço, por o aparelho ser considerado um produto essencial, a parte lesada não está obrigada a aceitá-lo, podendo requerer uma das alternativas acima de forma imediata.
Por fim, vimos que com base no artigo 6°, inciso VI da Lei consumerista, o consumidor tem direito “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos, ou em outras palavras, a reparação pelos danos materiais e morais a que tenha sofrido.
No caso em tela, o desembargador relator, em análise muito bem realizada, deu procedência tanto aos danos materiais, uma vez que o Autor foi obrigado a continuar pagando pelo seu plano pós-pago de telefonia celular, mesmo com seu aparelho constantemente em autorizada, quanto aos danos morais, uma vez que em sendo um produto essencial e ao mesmo tempo seu meio de comunicação com seus clientes, a sua impossibilidade de uso acarretou enormes transtornos ao consumidor, que com certeza ultrapassaram o mero aborrecimento.


Rio de Janeiro, 01 de agosto de 2012.
Eduardo Fagundes Filippo

1Apelação cível n° 0000504-85.2010.8.19.0087 - Relator: Des. Antonio Carlos Esteves Torres - Julgamento: 31/01/2012 - Décima Segunda Câmara Cível - TJRJ.
2 A doutrina moderna diverge se a intenção do legislador no §2°, do art. 26, era suspender ou interromper o prazo decadencial. Nos parece mais correta a corrente defendida por Leonardo Roscoe Bessa - Manual do Direito do Consumidor (BENJAMIN, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia Lima, BESSA, Leonardo Roscoe), p. 208-209, para quem, o termo obstar significaria interromper e, portanto, o prazo decadencial se iniciaria do zero após a devolução do aparelho ou negativa do fornecedor.

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